Série Kairoseki

Borracha – Parte 1

Por COMENTÁRIOS

Olá, fãs de One Piece! Alguém aqui consegue me definir o que é “material”? É um tijolo, um lápis ou uma pasta? Bem, esses são exemplos de materiais de construção, escolar e de escritório, respectivamente. Não são a esses materiais que me refiro. Refiro-me à argila utilizada para produzir o tijolo, ao grafite para produzir o lápis e ao plástico para produzir a pasta. A grosso modo, a matéria-prima de tudo que utilizamos no nosso dia a dia.

E o que isso tem a ver com One Piece? Olha, de fato, o Oda não precisa entender de material para escrever One Piece, mas isso não quer dizer que não existe uma relação evidente. O maior exemplo disso é o nosso protagonista Luffy. Ele é conhecido por ser um homem de borracha portador de um chapéu de palha. Ou seja, as mais famosas características do Luffy são justamente os materiais que lhe são relacionados.

Então, esta publicação, e outras mais, visa trazer conceitos técnicos da Engenharia e Ciências dos Materiais para a obra de One Piece. Para uma melhor compreensão, eu recomendaria a leitura do (muito bom e didático) livro Ciências e Engenharia de Materiais: Uma Introdução, de William D. Callister Jr. e David G. Rethwisch. Obviamente, é um livro técnico e a leitura desse livro não é obrigatória para entender o conteúdo dessa publicação. Trarei todos os conceitos de forma simples, direta e cheia de exemplos, pois, afinal, a ideia dessa publicação é entreter, não dar aula.

Dito isso, convido-os a essa experiência de conhecimentos aleatórios misturados à fantasia do mundo de One Piece. Certamente, a Série Kairoseki (material exclusivo no mundo de One Piece) vai entretê-los, além de dar a vocês substância para gerar teorias e entender porque o Luffy não poderia esticar tanto assim.

Conteúdo sobre materiais relacionado a One Piece que não trata inicialmente do que faz o pirata que estica esticar me soaria muito estranho. Obviamente, falarei da borracha. Com isso, vamos nos focar em alguns pontos para explicar porque o Luffy estica e é brasileiro (!).

O Luffy é brasileiro?

Vamos começar justamente por essa questão. E, se vocês estão inteirados nas declarações do Oda, vocês já sabem a resposta dessa questão trivial. Sim, o Luffy é brasileiro. E muito se atribui a isso por seu carisma e todos os demais comportamentos que ele carrega consigo. Mas se eu disser a vocês que isso também está relacionado ao poder da Gomu Gomu no Mi? Ora, ora, evidentemente, isso é uma suposição minha, mas ela não é à toa.

A floresta amazônica e sua grandiosa biodiversidade já forneceram ao mundo incontáveis fontes de alimentos, medicamentos e materiais. Como vocês bem sabem, a floresta amazônica situa-se, em grande parte, no território brasileiro. E nela há uma árvore nativa chamada Hevea brasiliensis, popularmente conhecida como seringueira ou árvore-da-borracha. Dela se extrai o látex, matéria-prima (sim, materiais também possuem matéria-prima) da popularmente conhecida borracha natural.

Esse material foi importante para o desenvolvimento da região norte do Brasil por ser, durante muitos anos, a única fonte desse material no mundo. No entanto, os ingleses conseguiram levar mudas da seringueira para outros países e logo a dominação do mercado pelo Brasil chegou ao fim.

A borracha, o aço e o petróleo foram considerados os mais importantes recursos estratégicos para o uso no desenvolvimento de países por anos. Durante a Segunda Guerra Mundial, o Japão trancou o acesso à borracha dos americanos, que, assim, fomentou o desenvolvimento de borrachas sintéticas. Hoje, tanto a borracha natural quanto a borracha sintética são largamente utilizadas na nossa sociedade.

Portanto, meus caros, a suposição de que o Luffy é brasileiro, inclusive devido ao poder de sua akuma no mi, vem dessa pequena história.

O Luffy pode esticar o tanto que ele estica?

Para quem precisa de uma referência do quanto o Luffy pode esticar seu braço, assista a batalha contra o Doflamingo, quando ele usa o golpe Gomu Gomu no Culverin. Sim, é um absurdo. Não, teoricamente, o Luffy não poderia esticar o braço tanto assim.

Mas, afinal, quanto o Luffy pode esticar? Bem, essa é uma pergunta que precisa de muitos pontos para ser respondida. O primeiro deles é definir qual borracha compõe o corpo do Luffy. Existem dois grandes grupos desse material: borracha natural e borracha sintética. O que as diferencia é, de forma simplificada, sua composição química. A borracha natural é composta basicamente por isopreno e a borracha sintética, por polibutadieno e neopreno.

Uma nada breve explicação aqui se faz necessária, caso você não esteja familiarizado com termos como isopreno e polibutadieno. Ambos são nomes de polímeros. Polímeros são os materiais que comumente chamamos de plástico. No entanto, a borracha não é um plástico, embora seja um polímero. Então, fica evidente que, tecnicamente, os termos polímero e plástico não são sinônimos. Polímeros podem ser divididos de diferentes maneiras dentro de diferentes classificações. Numa dessas classificações (comportamento mecânico), os polímeros podem ser plásticos, elastômeros (grupo da borracha) e fibras. Para entender o mais básico de um elastômero, temos que abordar como é constituído um polímero. De forma muito sucinta, (quase) todos os polímeros obedecem uma mesma regra: carbonos que se ligam entre si, o que forma uma cadeia polimérica.

Na figura ao lado, podemos ver uma cadeia polimérica do polietileno (outro polímero). O que primeiramente se observa é uma molécula composta por carbono (C) e hidrogênio (H). Posteriormente, notamos que existem linhas verticais e horizontais entre os átomos de C e entre os átomos de carbono e os átomos de hidrogênio. Essas linhas representam as ligações químicas que ligam esses átomos. Também, observamos que há duas ligações dos C que saem dos grandes parênteses que envolvem esse conjunto de átomos. Essas ligações se ligam com outros conjuntos igualmente compostos por dois átomos de C e quatro de H. O número de conjuntos ligados pode ser 50, 5.000, 50.000, ou seja, um número n. Se n for igual a 5000, por exemplo, teremos uma cadeia polimérica formada por 10.000 carbonos e outros tantos hidrogênios.

Definições

Segundo o dicionário Oxford Languages:

Monômero: composto constituído de moléculas capazes de se combinarem entre si ou com outras para formarem polímeros. Exemplo: Etileno.

Polímero: macromolécula formada pela união de substâncias simples chamadas monômeros. Exemplo: Polietileno.

O exemplo do polietileno (PE) é geralmente utilizado para introduzir o conceito de cadeia polimérica, pois mostra de forma clara a composição e a geometria que um polímero pode ter. Inclusive, o que faz um polímero se diferenciar de outro é justamente os átomos presentes na cadeia polimérica e como eles se ligam entre si. Se substituirmos um hidrogênio por um cloro (Cl), teremos o polímero policloreto de vinila (o famoso PVC). Com PE, são fabricadas sacolas plásticas; com PVC, canos. Não preciso dizer o quanto esses materiais são diferentes.

Então, encerrando essa explicação e voltando ao primeiro ponto, diferenças na composição química dão propriedades diferentes aos materiais. Uns podem ser mais duros, outros mais dúcteis, por exemplo. Mas a composição química não é o único ponto que interfere na classificação e nas propriedades dos materiais. A interação entre as cadeias poliméricas também o faz.

Tanto o PE como o PVC são exemplos de plásticos (mais precisamente: termoplásticos). Na imagem abaixo, vimos que não existe nenhuma ligação química forte (ou ligação primária, que seria representada por um traço sólido, como visto anteriormente) entre as cadeias poliméricas lineares. Então, quando se aplica uma força ou se aquece um produto fabricado com esses polímeros, as cadeias poliméricas têm maior liberdade para se locomover entre elas, o que resulta numa mudança no formato do material. Esse comportamento de mudar de formato, ou mudar de dimensões, é conhecido como deformação. Quando a força é liberada ou ocorre o resfriamento, o material pode retornar ao formato original (ou seja, sofreu deformação elástica) ou pode ficar com o formato alterado em comparação ao original (ou seja, sofreu deformação plástica). Sobre deformação, falarei mais quando abordar algum assunto relacionado a materiais metálicos (como as espadas do Zoro).

Os elastômeros, ou seja, as borrachas, são materiais de cadeias com ligações cruzadas. Na figura, observa-se que existe uma ligação forte entre as cadeias. Essa ligação, também chamada de reticulação, é formada quando se aquece o isopreno, no caso da borracha natural, com a presença de outras substâncias químicas. A formação de reticulação por meio de compostos de enxofre se chama vulcanização , e por meio de outras substâncias químicas, cura.

É justamente devido às reticulações que um elastômero pode esticar tanto. Quando é aplicada uma força numa borracha, as cadeias poliméricas se locomovem e se posicionam de tal maneira para suportar a força aplicada. Isso faz com que a borracha estique. No entanto, quando não há mais força aplicada, as reticulações fazem com que as cadeias poliméricas voltem a sua posição inicial, trazendo a borracha para seu formato original. Em poucas palavras, as borrachas possuem uma alta capacidade de se deformar elasticamente. Dessa forma, a capacidade de uma borracha esticar, além dos elementos presentes em sua composição química, é também em função da quantidade e do tipo das reticulações.

Pois bem, fica evidente que existem diferentes tipos de borrachas, assim, é difícil identificar qual borracha compõe o corpo do Luffy sem as informações necessárias. Então, o primeiro ponto para responder o quanto o Luffy pode esticar fica em aberto. Isso não quer dizer que não teremos uma resposta satisfatória no fim de tudo.

Um segundo ponto, também de suma importância e que deve ser levado em consideração para saber o quanto uma borracha pode esticar, são as condições ambientais sob as quais o material está submetido. Fatores como temperatura, umidade do ar e pressão atmosférica também podem influenciar na mobilidade das cadeias poliméricas quando uma força é aplicada.

Há também um terceiro ponto, o qual se refere ao processamento em que a borracha foi produzida. No caso do Luffy, ele basicamente comeu uma Akuma no Mi, então as coisas são diferentes. Mas, no nosso mundo, o que nós chamamos de borracha poderia muito bem ser chamado de composto elastomérico. Um dos maiores exemplos de borracha é o material que constitui o pneu. De fato, nele existe as cadeias poliméricas classificadas como elastômeros, mas há muito mais também. Nele é possível encontrar aço, negro de fumo, têxtil e outros derivados do petróleo. Ou seja, esses materiais presentes na composição do composto elastomérico, conhecidos como aditivos, também influenciam em como a borracha do pneu vai se esticar em diferentes condições ambientais. Dificilmente utilizamos produtos feitos de borracha que sejam de fato produzidos somente por borracha natural ou sintética. Por questões técnicas e econômicas, sempre terá a predisposição de produzir um composto elastomérico.

Três pontos estão apresentados. Com eles, trouxemos uma única certeza: com as poucas informações sobre a borracha que constitui o Luffy, é impossível precisar o quanto o ele pode esticar. Sim, bastante papo para deixar a resposta em aberto. Não, não encerraremos essa conversa assim. Trarei um valor para vocês.

Portanto, para chegarmos a um número, vamos utilizar o que se tem à disposição. Sabemos que o Luffy estica demais, muito mesmo, algo que vai além do que parece lógico. Com isso em mente, podemos assumir que a borracha que compõe o Luffy possui uma alta capacidade de se esticar. Dessa forma, podemos procurar na literatura acadêmica por borrachas que se esticam muito e analisar o quanto é esse muito.

Todo estudante de engenharia de materiais em algum momento utilizou o serviço do site MatWeb, pois ele permite encontrar materiais que atendem a determinadas propriedades e vice-e-versa. Muito versátil, e por isso o utilizei para resolver nosso impasse. Assim, podemos procurar por elastômeros e por seu alongamento. No MatWeb, vemos que existem dois tipos de alongamento: alongamento no ponto de escoamento e alongamento no ponto de fratura. Nós optamos pelo alongamento no ponto de fratura, que é a propriedade mais apropriada para borrachas.

Resultados a postos e temos mais algumas considerações a fazer (isso nunca acaba, hahaha!). Os maiores valores de alongamento apresentados são de borrachas de silicone e de borrachas de poliuretanos. Poderíamos considerá-los, mas isso exigiria outra nada breve explicação que apontam suas características especiais como borracha. Para esse nosso exercício, vamos desconsiderá-las. Assim, meus caros que leram até aqui, chegamos a um valor: 1570%. Esse é o alongamento no ponto de fratura de uma borracha de acrilonitrilo butadieno (NBR).

E o que isso quer dizer? Bem, se o Luffy estiver num ambiente com condições normais de pressão e temperatura e for composto de NBR, ele poderá alongar seu braço 1570%. Em um cálculo no qual me usei como referência, o braço do Luffy tem 75 cm. Isso quer dizer, que o comprimento máximo do braço do Luffy esticado seria de 1252,5 cm, ou seja, 12,5 metros! Digo para vocês, não é pouca coisa, hahaha!

Embora na cena contra o Doflamingo, ou na tentativa de fugir da prisão em Whole Cake, o Luffy tenha esticado muito mais que esses 12,5 m, grande parte de seus movimentos não alongam seus braços para valores maiores que esse. Assim, podemos verificar que na maior parte do tempo, ou seja, quando o Luffy usa sua flexibilidade para pular de um lugar para outro ou desferir um golpe, ele respeita os limites de alongamento do seu corpo.

É muito bacana ver que, embora uma obra como One Piece tenha muita ficção (afinal, um homem com corpo de borracha não tem nada de real considerando nosso mundo físico), alguns comportamentos sejam respeitados. Nesse caso, muito provavelmente, o Oda nem sabe que o faz, hahaha. Mas isso é o de menos e certamente não diminui a grandeza da obra e seus detalhes.

E encerro por aqui essa discussão sobre o quanto o Luffy pode esticar. Vemos que, na maior parte do tempo, o Luffy se comporta bem no quesito se alongar. Quanto a isso, já não temos mais dúvidas.

Mas, todavia, se você leu o capítulo 1043 do mangá e ainda não sabe qual é o desfecho daquela cena final, provavelmente você esperava ter encontrado uma resposta mais assertiva nesse post. Bem, se me permitem, farei duas colocações. A primeira é que, com esse texto, você percebeu que borracha é um conceito bem amplo, que engloba muitos materiais. Existem uma infinidade de borrachas e suas propriedades dependem de sua composição química (incluindo os aditivos), geometria molecular e condições ambientais. Então, meus caros, um monte de coisa pode acontecer, mas existe também limites bem claros que não podem ser ultrapassados. A segunda colocação se refere a quando esse post foi escrito. Acreditem, foi muito antes de toda essa confusão sobre a Gomu Gomu no Mi surgir no mangá. O Oda me trollou, hahaha! Inclusive, esse seria um post único, sem segunda parte, mas o Oda me obrigou a fazer uma parte dois. E nela, então, eu trarei alguns conceitos sobre os efeitos da temperatura e da eletricidade na borracha. Borracha flui? O Akainu teria matado o Luffy? Enel realmente não teria ataques elétricos efetivos? Pois bem, pois bem. Aguardem!

Dito isso tudo, quero agradecer pela paciente leitura até aqui e quero pedir que vocês deixem seus comentários sobre o texto que acabaram de ler! Um forte abraço e até mais.

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